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A Procissão dos Defuntos

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Mensagem  Miguel Pereira Sáb Abr 03, 2010 12:05 pm

O Noroeste de Portugal é, com a Galiza, nas concepções da antiga cultura mediterrânea, o finis terrae. No I Concílio de Braga, reunido em 561, diz-se que esta cidade está "na extremidade do Mundo". Para além é o "mar tenebroso" de que nos fala a antiga cultura geográfica dos árabes, é o Ocidente, onde o Sol morre todos os dias, região na qual, segundo velhas concepções, está o reino dos mortos.
Já os antigos aí colocavam a Atlântida,uma ilha paradisíaca que Platão nos descreve. Na céltica (e imaginária) viagem de São Brandão há sugestões de um mar coalhado, de um outro "mundo". Segundo uma antiquíssima crença minhota, este mar é o mais distante e o mais rigoroso dos infernos.
Assim sendo, talvez se possa compreender melhor porque não há, com certeza, mancha alguma do território português onde a crença da permanência dos mortos pelas aldeias tenha uma dimensão e um tal vigor, como no Alto Minho. Não é só a "estrada de Santiago", Via Láctea empoeirada pelas almas que vão em romaria a Compostela, não é apenas o hábito de amentar as almas e de fazer nichos de alminhas, é também (e sobretudo!) a crença de que todas as noites a freguesia é percorrida pelas almas dos seus defuntos, que vêm prantear e acompanhar a alma da próxima pessoa a morrer na aldeia.
Em todas as aldeias há alguém que já viu estas procissões de defuntos: o futuro morto já no caixão e vários parentes e amigos já falecidos, a acompanhá-lo de vela em punho. Sabem de quem se trata, mas não podem revelá-lo, senão por indícios muito vagos: "Pessoa nova, coitada!", "Já entrado em anos!", "Homem que faz ainda bastante falta!", "Tem boas contas a dar a Deus!" e por aí fora.
Mais que em outra parte, a paróquia altiminhota é também uma comunidade de mortos, que dela continuam a usufruir.
Em todos os locais se narram histórias de quem viu estes cortejos. Uma dessas histórias, de Beiral (Ponte de Lima), recolhida por Rosa Araújo, diz-nos:

"Uma mulherzinha voltava uma vez do monte trazendo um feixe de gravalha á cabeça. A dada altura, parou para descansar e pousou o feixe no muro do caminho. Era o fim da tarde, batiam Trindades e o sítio era ermo e deserto.
Então ela viu que uma multidão de homens descia o monte pela mesma congosta por onde ela viera. Vinham um a um e silenciosos todos, marchando em procissão. Passaram por ela. Cheia de medo, pediu afoitamente a um dos que passavam:
"-Tiozinho, ajude-me a erguer este molhinho!"
E ele, sem se deter, respondeu em voz cavernosa e arrastada:
"-Pede ao que vem atrás, que eu morri tuberculoso!"

Outra história, também recolhida por Rosa Araújo, em Lanhelas, diz-nos que:

"Uma vez, á noitinha, dois homens estavam a conversar num caminho, no meio dum pinheiral e viram passar a "procissão dos defuntos": duas fileiras de vultos silenciosos embrulhados em lençois e cada um com uma vela acesa nas mãos.
Um dos homens, folião e descrente, chegou-se a um dos vultos e tirou-lhe a vela. A procissão logo desapareceu e o brincalhão viu com grande pasmo que tinha nas mãos um grande osso, desses que figuram com as caveiras pintadas nos portais dos cemitérios.
Foi-se confessar e o padre aconselhou-o a ir, á mesma hora da véspera, esperar a procissão no mesmo sítio e restituir a "vela".
O homem foi, a tremer. A alturas tantas lá vinha a procissão. O homem esperou que passasse aquele fantasma a quem tinha roubado a vela. e logo que apareceu (era o único qua não trazia) meteu-lha logo na mão.
Respondeu o vulto:
"-Andaste ainda a tempo. Foi o que te valeu!"

Só certas pessoas e em circunstâncias especiais vêm estes cortejos nocturnos e mesmo quem nunca viu, acredita neles piamente.
Em Pias (Monção) até se recomenda que de noite, andando pelos caminhos, o devemos fazer sempre pelos lados para não estorvar essa procissão.
Miguel Pereira
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