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Os Namoros

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Mensagem  Miguel Pereira Qui maio 06, 2010 5:30 pm

Quando a puberdade bate á porta e um conjunto de novos encantos lhe despertam o gosto de se ver ao espelho, a rapariga começa a olhar para a sombra.
Habituada ao recato, tenta ocultar as saliências dos seios e ourtros sinais de mudança de idade.
Tudo sem êxito, se é que não dá ainda para espevitar a curiosidade dos rapazes, pois também eles sentem um mundo novo a pulsar dentro de si e a atracção por tudo quanto é feminino. É por outro prisma que vêem certas companheiras de infância; lançam-lhes olhares mais insistentes e, como não se atrevem a ir mais longe, formulam perguntas silenciosas, para as quais tentam adivinhar respostas.
Acabam por mostrar-lhes o seu interesse. aparecem aos domingos e passam a tarde juntos, sentados no maçadouro de pedra, junto á portinha, ou nalgum passeio.
Por vezes o entusiasmo sobe ao rubro; em nada mais pensam que não seja nela; têm arroubos de ternura na sua presença e receiam que o vento a leve. Mas são estados passageiros, ás vezes até sujeitos a contrastes, como o estado do tempo. Não raro acontece mesmo outra moça lhes enfeitiçar o olhar e surgir um quase desinteresse, se não repulsa. A primeira sente-o ou tem disso a prova e adverte:
"-Olha lá, tu não julgues que me trazes á corda! Não vou servir para folgas ou para te rires á minha custa! Ou ela ou eu!"
E, se ele não toma o caso a sério, quando volta a procurá-la, já não lhe aparece. Manda apenas recado de que quer trocar as prendas e fotografia (pouco ela tem, pois que é ele que abusivamente guarda anéis, lencinhos bordados, alguma fieira ou medalha de ouro).
Mal pode concluir-se que o rompimento haja provocado desgosto de maior.
"-Ora, ora! Leve o diabo paixões, mais quem com elas engorda! Tola é quem se fia em rapazes! Não! Mais vale isto acontecer enquanto é tempo!"
Serão estouvados, alguns, e prontos a medir o casamento pela normalidade dos negócios: rapariga com dote, saudável, boas qualidades de trabalho... Depois, falas mansas, corpinho bem feito e rosto airoso. Tudo o mais virá por acréscimo.
Ouvem os conselhos dos pais, sobretudo eles:
"-É preciso não ser tolo! Nem andar cego! Olha que o casamento não é nenhuma brincadeira, moço!"
Depois vem o adágio a propósito:
"-Olha que beleza não se põe na mesa!" - se é rapariga pobre, embora de boas feições-, "Acha sai á racha e Maria á sua mãe!" - se não lhes parece modelo de boa conduta, em qualquer aspecto, a progenitora.
Elas preferem escutar as mães:
"-Não tenhais pressa, minhas filhas! Há tempo de começar a sofrer! Gozai a vida de solteiras!"
Nem sempre têm o coração na boca. Tudo é ponderado, calculista. apenas intenção de combaterem ímpetos desenfreados ou exagero de entusiasmo, pois não seriam elas a desejar o mal das filhas.
Querem casar? Pois também com elas sucedera o mesmo! E olhai que não estão arrependidas!
As filhas concordam:
"-Pois sim, minha mãe, não se aflija!"
Mas quando pelos campos sacham milho, interrogam o cuco:
"- Ó cuco da ramalheira, quantos anos me dás de solteira?"
E ficam tristes, embora disfarçando com alguma piada e um sorriso, se ele repete o canto. E pior ainda se solta gargalhada: sinal de que não será em ano próximo, se é que alguma vez terá lugar o casamento.
Miguel Pereira
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