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Os Ritos Funerários e o Luto

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Os Ritos Funerários e o Luto Empty Os Ritos Funerários e o Luto

Mensagem  Miguel Pereira Seg Abr 05, 2010 12:16 pm

Quando morre alguém, primeiro que o sino dê sinal (nove badaladas por homem e sete por mulher, seguidas do dobre de finados), é o pranto da família que alerta a freguesia, porque feito em voz alta e com gritos lancinantes, que a nenhum lugar deixam de estender-se.
A acalmia só vem com o tempo e o cansaço.
Acodem os vizinhos de perto e alguém para tomar conta da direcção dos trabalhos de casa naquilo que têm de inadiável: alimento para pessoas e animais, sobretudo.
Fecham-se as contras das janelas e as vozes são abafadas por soluços.
Pouco depois, chega o armador. coloca panos pretos na sala e á entrada da porta, monta a essa (plataforma onde o caixão fica colocado) e acomoda o morto no caixão, vestido com a sua melhor roupa e na principal divisão da casa. As mulheres que em vida tivessem usado o traje de noiva ou o de mordomia, normalmente haviam feito questão de ser enterradas com ele vestido. No caso do morto ser um padre, é revestido com os paramentos sagrados, de cor roxa.
É o segundo grande momento de pranto, só excedido pelo que precede o "Levantamento do Corpo", á chegada do padre, que vem reclamar a posse do corpo em nome de Deus e do povo da terra e conduzí-lo para a igreja.
No caso de o falecido ser uma criança de tenra idade (os "anjinhos") , há algumas particularidades: acredita-se que as crianças falecidas sem o uso da razão (antes dos 6 ou 7 anos) vão logo para o Céu, por isso as crianças são vestidas tanto quanto possível de branco, o próprio caixão é branco e transportado por outras crianças, não se deita luto por elas nem devem ser pranteadas. Os sinos tocam em repique festivo em vez de dobrar a finados e o Ofício Liturgíco é o dos Santos Anjos em vez do Ofício de Defuntos. O importante é que tudo represente alegria, por se acreditar que no Céu entrou mais um anjo.
Entretanto, em casa do morto, a gente vai aumentando cada vez mais.
Entram, abeiram-se do morto, olham, aspergem com água benta, rezam, apresentam pêsames e alinham-se á volta, continuando a reza ou tecendo comentários em voz baixa.
Retiram estes e chegam outros, de mais longe.
Pela noite dentro, acorrem homens, para velar o defunto. É preceito de consideração, caridade e boa vizinhança que o corpo nunca fique sozinho só com a família. Formam roda, á volta do caixão e há sempre um (ás vezes uma mulher) que conta o terço e faz as encomendações:
"-Por este nosso irmão por Deus chamado a contas, para que lhe perdoe os pecados e lhe conceda o eterno descanso. Padre Nosso... Avé Maria... Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo..."
Ás vezes, providencia para que ao lado do hissope, na caldeira da água benta, haja um ramo de oliveira e, após o terço, este passa de mão em mão, é medida que proclama:
"-Rezemos por este nosso irmão e pelas intenções de quem tem o raminho na mão. Padre Nosso... Avé Maria... Glória ao Pai..."
E assim se escoa a noite, longa e tristemente, no bafiento espaço de toda a casa e na fornalha em que se transforma a câmara ardente. Há uma ou outra aflição ou desmaio, que só a mudança de lugar, o café e a aguardente ajudam a combater.
Manhã alta, o corpo é conduzido em cortejo para a igreja e aí se realizam os ofícios liurgicos próprios, com a Missa de Corpo Presente e Ofício de Defuntos. Na igreja, o defunto é colocado de frente para o altar se for leigo, se for padre fica voltado para o povo, como que a querer transmitir-lhe os últimos e supremos ensinamentos.
Acabada a Missa, segue-se o funeral propriamente dito, com o corpo a ser novamente conduzido em cortejo para o cemitério, onde se reza a Encomendação e onde ficará sepultado. Á passagem do funeral, todo os trabalhos são interrompidos e todo o comércio fecha as portas. Nele se incorpora sempre imensa gente, muitas vezes todo o povo da terra, sobretudo se se trata do padre, ou de pessoa que fora rica ou estimada.
Depois, vem a missa do saimento, nalgumas freguesias. Noutras, a missa de sétimo dia, as obradas, a de trigésimo dia, ou o trintário (série de trinta missas diárias) se houver posses.
Segue-se o luto: pesado, quando se trata de parente muito chegado, com fato preto para os homens, saia e blusa da mesma cor para as mulheres e ainda lenço a cobrir o rosto e chaile pelas costas, mesmo que seja Verão e o calor aperte. O luto é duradouro: dois anos, um ano, seis meses ou a vida inteira, para viúva.
A lembrança do morto fica sempre bem viva entre todos e não se perde a ocasião de dar testemunho desse facto:
"-Teu paizinho, que Deus haja... Minha mãezinha, que Deus tenha em bom lugar... o meu "home", Deus lhe perdoe..."
Á noite, se não é todo o terço aplicado por sua alma, há sempre mais um Pai Nosso e outras orações, acompanhadas de algum suspiro e não raramente de lágrimas furtivas.
Miguel Pereira
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