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A Lavrada dos Campos

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Mensagem  Miguel Pereira Ter Abr 06, 2010 8:18 am

Alta madrugada, encaminha-se o lavrador para o campo, na intenção de aproveitar o tempo e fugir á mosca e ao calor.
Leva o arado, a grade, o timão, as sementes, a cabaça com vinho e o cesto com a merenda.
Acompanham-no a mulher e os filhos, a criada, o vizinho ou compadre, mais a sua junta de bois ou touros.
O sol apenas bastante mais tarde dá com eles, já mais de meia leira revolvida, a primeira mão de grade a esboroar os torrões mais duros e a alisar algum pedaço onde há desnível.
Levandiscas saltitam na frente do gado, a catar nos regos morcões indefesos, melros cantam nas frondes do arvoredo e não falta quem sinta vontade de lhes dar réplica. Mas seria desvio da atenção e o trabalho a reclama e absorve por inteiro.
Cavadas as beiras, os cantos e os cabedulhos aonde não chega o arado, é lançada á terra a semente, por talhões marcados com ramos de carvalho ou de oliveira. Nunca de salgueiro, porque esse não dá fruto.
De vez em quandó, há uma paragem, para o gado descansar um pouco e aproveita-se a pausa para molhar as gargantas.
Se a leira é grande ou a terra dura, para não puxar de mais pelos animais, deitam-se solas, isto é, atrela-se outra junta. Mas raramente isso se dá, porque a propriedade é muito retalhada. Só nas veigas e nas agras, onde os marcos se implantam apenas nas testeiras e os regos são por vezes muito compridos.
Nestas, a leiva é voltada para lado diferente, em cada ano. O dono da primeira dá rego ao da segunda e assim sucessivamente. Se algum o não faz a tempo, apesar de avisado, o vizinho pode virar-lhe leiva, isto é, deitar a terra do primeiro rego para cima da sua, o que lhe dificultará o trabalho por ocasião da sementeira e é considerado uma desfeita.
Finda a lavrada, é mais uma junta que pega na grade, terminando-se o trabalho pelo gradar de costas, a fim de alisar melhor a terra.
A cabaça vai rodando, de vez em quando e, á sombra dos primeiros rebentos da vinha, já a patroa estende a toalha de linho e coloca sobre ela a boroa rescendente, o bacalhau frito, a malga das azeitonas e as tigelas para o vinho, se é que não optou por seguir á frente, pôr ao lume o pote, preparar um arroz de frango e cozer um bom naco de presunto mais um chouriço de carne.
É mais vulgar a merenda, até pela vantagem de cair bem em qualquer hora e se engolir mais depressa.
Todos a saboreiam com satisfação e a alegria de mais uma tarefa realizada.
Retiram por fim, mas nunca o lavrador deixa de olhar a terra com ternura, de traçar sobre ela uma cruz e murmurar uma prece, que é o pedido da benção do céu para que torne fecundo o seu trabalho.
Miguel Pereira
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